Radar da Economia: Inflação dos alimentos: como fica o resto de 2020?
Passadas as especulações com relação à saída de Paulo Guedes do Ministério da Economia, o mercado voltou a exercer seu principal “esporte”: buscar “pelo em ovo”. A discussão sobre a “inflação do arroz” trouxe à tona ideias que pareciam enterradas há muito tempo, mas que se mostraram apenas adormecidas.
Tentando organizar essa discussão, vamos mostrar que não faz sentido acreditar que o movimento de alta dos alimentos poderá levar a uma reviravolta na tendência benigna da inflação geral. Essa análise se mostra ainda mais relevante quando estamos às vésperas de mais uma reunião do Comitê de Política Monetária (Copom).
Esse é o tema da discussão deste Radar da Economia. Acompanhe!
O aumento do preço dos alimentos
Para começar a conversa, devemos lembrar de que a pressão do preço dos alimentos tem um motivo. Havia fartos sinais de que essa dinâmica apareceria nos últimos Índices Gerais de Preços (IGPs).
Um dos exemplos é o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) agrícola do Índice Geral de Preços – Mercado (IGP–M), que acumulou alta de 9,5% nos 3 meses finalizados em agosto de 2020. Considerando o período de 6 meses, o crescimento foi de 17,5% e nos 12 meses anteriores, de 32,3%.
Nos mesmos períodos, o grupo Alimentação no Domicílio do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulava altas de 1,8%, 5,8% e 7,9%, respectivamente. Por sua vez, o IPCA geral variou 2,6%, 2% e 2,4% no mesmo intervalo de tempo. Assim, notamos que:
- a alta dos alimentos no IPCA já estaria “contratada” pelo movimento observado no IPA;
- a direção do movimento é a mesma entre atacado e varejo, mas a intensidade é claramente diferente;
- a pressão crescente dos alimentos no IPCA não interferiu no índice geral, que variou pouco entre as janelas de cálculo.
Pegando o segundo ponto como “gancho”, é importante notar que é impossível comparar adequadamente as cestas dos dois índices. Ou seja, nem todo produto pressionando o IPA agrícola pode ser achado diretamente no grupo Alimentação no Domicílio do IPCA.
Isso faz uma grande diferença. Por exemplo, o grande destaque de alta do IPA agrícola no trimestre fechado em agosto foi a soja, com 18,2% de valorização no período. Quando buscamos a contrapartida desse item no IPCA, achamos produtos já industrializados, como o óleo de soja.
Ele refletiu essa pressão e aumentou 11,9%. No entanto, reforçando nosso ponto, enquanto o último pesa apenas 1,4% do grupo Alimentação no Domicílio do IPCA, a soja representa 25% do IPA agrícola do IGP–M.
As conclusões sobre o preço dos alimentos
A primeira conclusão a que chegamos é que a pressão recente dos alimentos no IPCA não deveria ser uma surpresa. Isso já podia ser percebido pelo comportamento do IPA agrícola, como demonstramos.
Apesar da situação, é impossível dizer que o grupo Alimentação no Domicílio está influenciado pelo IPA agrícola, pois os dois índices têm estruturas sem possibilidade de comparação. Identificado o “santo”, vamos agora explicar o “milagre”.
Uma questão relevante nessa discussão é considerar que algumas das principais fontes de pressão detectadas pelo IBGE no último IPCA podem ser considerados produtos comercializáveis. Alguns exemplos são arroz, leite e carnes.
Ou seja, os preços são influenciados por preços internacionais, já que o comprador pode escolher entre adquirir o item no mercado interno ou importá-lo. Esse fato é especialmente relevante quando temos uma desvalorização acumulada no ano de 32% do real frente ao dólar — tendo chegado a quase 50% no pior momento.
Por outro lado, temos também os produtos não comercializáveis, notadamente os serviços, que estariam mais ligados ao nível de atividade. Apesar de você achar o trabalho do barbeiro caro, o máximo que pode fazer é procurar outro mais barato na região. Dizer que o mesmo serviço custa metade do preço na Argentina não ajudará na obtenção de um desconto.
A pressão sobre o preço do arroz
O reconhecimento de que o arroz é um exemplo de produto comercializável é importante para entender de onde vem a pressão de preços sobre esse produto. O aumento da demanda chinesa com a quebra de safra em importantes países produtores fez disparar o preço internacional do produto.
Com isso, se torna mais vantajoso exportar do que vender no mercado interno. Entre janeiro e agosto de 2020, as exportações de arroz cresceram 73,5% em quantidade. Além disso, dois fatores locais pioraram a situação.
O primeiro foi uma queda da produção interna. O segundo foi o aumento da demanda devido ao incremento de renda nas classes mais pobres por conta do auxílio emergencial de R$ 600 do governo.
Aqui, vale a pena ressaltar que, quanto menor a remuneração, maior a participação do consumo na renda disponível e, dentro desse, maior o consumo de itens básicos, como alimentos. Ou seja, boa parte da transferência de valores do governo para as pessoas enquadradas no benefício é usada para o consumo de alimentos.
A segunda conclusão é que o “milagre” nada tem de surpreendente. Ele é fruto da boa e velha lei da oferta e da procura. Assim, a “inflação do arroz” é explicada pela combinação de um aumento da demanda por conta do coronavoucher e da redução da oferta devido à maior exportação com a diminuição da produção.
Entretanto, se as causas são bem conhecidas, o que dizer das consequências? Será que essa variação pouco favorável em um item específico — arroz — ou mesmo em um grupo — alimentação no domicílio — poderá gerar um movimento de retroalimentação do IPCA que arrisque o atual cenário benigno para a inflação e, por consequência, os níveis baixos de juros?
Expectativas
Felizmente, a resposta à pergunta anterior é não. Voltando à comparação entre os bens comercializáveis e não comercializáveis, vemos que os primeiros acumulam altas de 4,8% em 12 meses, 1,44% em 6 meses e 1,74% em 3 meses.
Por sua vez, os não comercializáveis subiram 1,7% e apresentaram deflação de 0,4% e 0,9%, respectivamente. Isso explica o porquê do IPCA continuar bem-comportado, mesmo com a pressão vinda dos alimentos: o desempenho dos serviços ajuda a segurar o índice geral por estar mais ligado ao desempenho da economia.
Isso nos leva a uma terceira conclusão importante: enquanto a ociosidade da economia estiver elevada, dificilmente veremos um processo de retroalimentação da inflação a partir de um choque primário, como este verificado nos alimentos.
Outra forma de ver esse cenário é que a média dos núcleos — uma boa medida da tendência da inflação — se mantém ao redor de 2% no acumulado de 12 meses desde junho de 2020. Esse resultado foi verificado apesar da Alimentação no Domicílio ter passado de 9% para 11,4% nessa métrica no mesmo período.
As previsões e a reunião do Copom
O fato de não vermos riscos imediatos de que esse choque de oferta se transforme em um processo inflacionário apenas reforça nossa aversão a qualquer atitude do governo que não seja por meio dos mecanismos de mercado. Na década de 1980, usamos e abusamos do expediente de controle de preços.
Esse movimento foi caracterizado de forma apropriada pelo escritor americano Irving Kristol como “uma solução militar para um problema econômico”. Voltamos a tentar essa fórmula mágica no segundo mandato de Dilma Roussef e tivemos os mesmos resultados nada positivos.
Portanto, a nossa quarta conclusão vem de uma pergunta: se o controle de preços nunca deu certo no passado, por que daria agora? Na próxima semana, teremos mais uma reunião do Copom para decidir a taxa de juros básica da economia.
Como parece claro, essa discussão sobre a “inflação do arroz” não deverá influenciar na decisão do colegiado de manter os juros estáveis em 2% ao ano. Provavelmente, o Banco Central (BCB) deixará isso explícito no comunicado ou na ata da reunião.
Deverá ser afirmado que a política monetária não atua sobre os choques de preços de primeira ordem, apenas sobre seus efeitos secundários sobre a trajetória da inflação. Como mostramos que esses são invisíveis e, em nossa opinião, deverão permanecer dessa forma no horizonte relevante para a política monetária, o BCB não deverá nem precisar consultar o VAR para dizer “segue o jogo”.
Diante desse cenário, as projeções para os próximos períodos da economia brasileira são:
- IPCA: 4,31% em 2019, 1,8% em 2020, 3% em 2021 e 3,5% em 2022;
- câmbio: R$ 4,02 em 2019, R$ 5,20 em 2020, R$ 5,30 em 2021 e R$ 5,40 em 2022;
- Selic: 4,5% em 2019, 2% em 2020, 3% em 2021 e 4% em 2022;
- PIB: 1,1% em 2019, –5,8% em 2020, 3% em 2021 e 3% em 2022.
Diante desse cenário, quais são as melhores aplicações financeiras? Conheça as melhores opções de investimento a curto prazo em 2020 e tome boas decisões.
Bacharel em Economia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio) em 1996 e mestre em Economia pela mesma instituição em 1999. Trabalhou como Economista na Pictet Modal Asset Management entre 1999 e 2002 e na Câmara de Comércio do Rio de Janeiro (Fecomércio). / RJ) como economista-chefe entre 2002 e 2004. Durante esse período foi professor assistente na PUC-Rio. Ingressou no Banco ABC Brasil S.A. em 2005 como Economista Chefe.